Os Primeiros Heresiarcas da Igreja e suas Influências Gnósticas
O Gnosticismo é um movimento religioso de origens remotas, que se desenvolveu mais seriamente a partir do segundo século da era cristã. De origem monista e de sentimentos pessimistas, causaram muitos males nos primeiros séculos da igreja primitiva, incentivando a reação de grandes servos de Deus, que os combateram ferozmente.
Adiante, veremos um pouco de suas origens, seus proponentes iniciais e como a gnose do segundo século é certamente o pontapé inicial das heresias consequentes.
Gnosticismo e suas Origens
No início e desenrolar do segundo século, a questão gnóstica se tornou um problema agudo no seio da igreja de Deus. O problema se asseverou ainda mais, com o aparecimento de personalidades e grupos sectários, tendo de serem enfrentadas pelos cristãos da época.
Como já assinalado anteriormente [*], a Gnose, em suas formas primitivas, se desenvolveram no ambiente Oriental e Grego. No caso do cristianismo, há duas hipóteses, sobre sua presença nos primeiros anos da fé.
Ou vieram das especulações gregas no ambiente Alexandrino, através dos filósofos gregos neoplatônicos e de religiões de mistérios. Ou, podem ter penetrado no cristianismo através de Judeus Helênicos, que haviam já se desiludido com o Judaísmo oficial, e em revolta contra si mesmo, desenvolveram sistemas gnósticos após terem contatos com a Babilônia e com o mundo helênico.
As duas podem ser aceitas, pois há elementos Judaicos apocalípticos muito fortes nos primeiros hereges e um tipo de especulação típica dos filósofos pitagóricos.
Grant em sua obra La Gnose et les origines chrétiennes, diz:
“o mundo celeste dos gnósticos nasceu de diversas origens: uma mescla de ideias principalmente iranianas e gregas, a heterodoxia judaica. Os manuscritos do Mar Morto nos mostram a que ponto as seitas judaicas sofreram influência dos conceitos iranianos”.
É nítido que os primeiros hereges gnósticos no cristianismo, tinham um tipo de monoteísmo muito bem desenvolvido, além de um forte sentimento apocalíptico. Mas há da mesma forma, fortes influências gregas, especulações mitológicas helênicas e conceitos vindos do Irã.
Os primeiros heresiarcas percebidos pelos cristãos do segundo século, traziam em si alguns elementos que aparecerão durante toda a história.
Os Primeiros Heresiarcas da Igreja Primitiva
Penetração Gnóstica no Cristianismo
Alguns elementos que podem ser percebidos nos primeiros três séculos do cristianismo, vindos da Gnose, são: Monoteísmo extremo – Monismo (Mônada), dualidades cósmicas, rejeição ao mundo (criação do mau) e negação de uma das naturezas de Cristo.
Marcionismo:
Marcião (85 – 160 Dc) filho de um Bispo da cidade de Sinopse (Atual Turquia) foi um dos primeiros heresiarcas da igreja neste perído. Não é considerado um gnóstico propriamente dito, mas como um proto-gnóstico, devido não haver em seu pensamento certas concepções características do gnosticismo. Seus ensinamentos parecem ser um tipo de Gnose, não desenvolvida.
Através do dualismo via o Deus do Antigo Testamento em oposição ao do Novo Testamento – O Deus da antiga aliança era um deus mal que punia os Judeus com sua Lei, já Jesus era o Filho do Deus Bom que fora enviado para salvar e livrar os Judeus do antigo deus. Assim promovia uma ruptura radical com o Antigo Testamento aceitando apenas alguns livros da Nova Aliança.
A Encarnação de Jesus para Marcião, era Docética, apenas aparente (Uma Imitação de Corpo Físico).
A Princípio, não desejava se separar da Igreja, foi o primeiro a propor um Cânon, no qual escolheria os próprios livros, que considerava inspirados. Seu cânon continham onze livros agrupados em duas seções: Um evangelho de sua autoria, usando uma versão do evangelho de Lucas e dez cartas de Paulo, a quem considerava como o mais perfeito e fiel dos Apóstolos de Cristo.
Segundo Jerônimo: O Bispo Policarpo de Esmirna (Discípulo de João) ao se encontrar com o Herege, o chamou de “Primogênito de Satanás”.
Montanismo:
Montano é também um proto-gnóstico. Trouxe uma característica peculiar até então, muito parecida com o próprio cristianismo.
Montano foi um místico pagão praticante do culto a deusa Cibele, que viveu na região da Ásia Menor, entre as fronteiras das províncias romanas da Frigia e da Mísia e se converteu ao cristianismo em meados do segundo século, por volta de 155 e 170 dC. Influenciado por ideias gnósticas de seu tempo passou a se proclamar Profeta, dando início a um novo movimento chamado por seus seguidores de ”Nova Profecia” e que anos mais tarde assumiu o nome de ”Montanismo”.
Os ”Catafrigios” como são chamados por Eusébio e outros escritores que trataram do assunto, causaram dissenções no meio dos cristãos, após espalharem suas ideias, resultando em diversas heresias ao longo dos séculos (EUSÉBIO, 2002).
Duas mulheres, Priscila e Maximila, aderiram o movimento e se fizeram ajudantes de Montano, ganhando influência e sendo fundamentais para o crescimento da Seita. Após abandonarem seus cônjuges passaram a profetizar e anunciar o ”reino” apocalíptico, que segundo suas previsões era iminente.
Havia no montanismo o espírito característico apocalíptico de diversos movimentos heréticos, não somente dos primeiros séculos, mas de séculos futuros como no século XIX.
O Caráter Profético do Montanismo
O Caráter Profético de seu seguidor, desenvolveu um tipo de Imanentização das questões Escatológicas, que pronunciava a eminência da vinda de Cristo para aquele tempo. Os Catafrigios acreditavam que a Nova Jerusalém seria estabelecida em Pepuza na Frígia e que o fim dos tempos era eminente e aconteceria naqueles dias.
Muitos Montanistas se reuniram na cidade estabelecida para aguardar o tempo do fim. (O Que não aconteceu, é claro). Muitos relatos estranhos são apresentados nos escritos do grande historiador da Igreja, Eusébio de Cesaréia, que podem esclarecer bem, o espírito que conduzia esse movimento.
Outra característica do movimento de Montano era o Ascetismo rigoroso que, devido ao aspecto escatológico, se asseverou ainda mais. Os Montanistas por acreditarem que o fim estava próximo, não permitiam ou pelo menos não incetivavam novos casamentos e se algum conjuge morresse, também não era permitido novos enlaces. O jejum árduo, enfâse sobre a virgindade, o desapego das coisas materiais e o martírio era visto não somente como aceitável, mas necessário. Inclusive há relatos (verdadeiros ou não) de suicídios de alguns de seus membros. Todo esse legalismo produzia uma alienação total do mundo, que certamente se assemelha com os movimentos gnósticos da história.
Uma terceira característica do Montanismo é a evocação de uma terceira Era, que para eles se cumpria em Montano. Evocavam uma nova era, que substituiria a era vigente, que segundo eles estava corrompida pelo ”relaxamento ético” da Igreja.
As 03 Eras do Montanismo, Joaquim de Fiore e etc
O conceito de 03 eras ( Era do Pai, do Filho e do Espírito) é visto pela primeira vez em montano, mas torna aparecer com seus desenvolvimentos em várias épocas da Igreja, sempre causando diversas confusões na história (VOEGELIN, 2012). Este conceito foi muito bem percebido pelo filósofo Eric Voeglin, em sua análise sobre o ”espírito” que inspiraram as revoluções gnósticas ao longo dos tempos. Para ele este conceito aparece em Joaquim de Fiore que os prescreve em seu tratado, nos cátaros no século XI e mais recentemente no Terceiro Reichert em Hitler.
A evocação anterior (03 Eras) tinha em Montano o seu representante máximo, que depois passou a ser a própria ”emanação” de Deus, pois suas profecias e os escritos antigos afirmam que ele se considerava o próprio Paracleto (Espírito Santo). ”eu não sou nem um anjo, nem um emissário, mas eu o Senhor Deus, o Pai, vim.” Citação de Epifânio sobre Montano.
”Eu sou o Senhor Deus, o Todo-Poderoso que habita no homem” (Medicina 48.11.9). Os Montanistas tinham um tipo diferente de profecia, para eles não eram apenas ”dons proféticos” era uma nova revelação, que ultrapassava a revelação já estabelecida em Cristo.
Sua profecia era uma evocação. No qual o reino de Deus viria e não tardaria em seu tempo. Apesar de não estar explícita em seus ensinos, pelo menos não foi registrada pelos apologistas, a ideia de um tempo paradisíaco, implicitamente ecoava entre seus seguidores.
“Depois de mim, não haverá mais nenhum profeta, mas o fim” (Medicina 48.2.4).
A mesma evocação foi replicada em diversos movimentos posteriores, sempre causando desilusões e posteriormente o abandono da fé.
O Montanismo foi um movimento pentecostal?
*Alguns cristãos atuais, atribuem ao montanismo um tipo de correspondência com os movimentos Pentecostais atuais e o genuíno mover do Espírito Santo; acreditando que a ortodoxia do segundo século, acabou derrotando o movimento do “Espírito”, simplesmente para afirmar a autoridade dos Bispos.
Sinceramente, não vejo como é possível, aceitar esta ideia, uma vez que: Se quizermos sermos sinceros e fiéis aos relatos, e não intuir ideias para conciliar o irreconciliável, veremos que: Montano, ignora o evento de pentecostes como a vinda do Consolador prometido por Jesus (Jo 14:16), pois seu movimento era primeiramente uma evocação do Paracleto.
Depois, podemos ver claramente nos relatos e pelo desenrolar da história, que as profecias não se cumpriram definitivamente. Montano foi um falso profeta. Por fim, não podemos de deixar de lado, o rigorismo típico dos gnósticos, que se veem iluminados, por uma “santidade” que beira o ódio ao ser.
Ao meu ver, o Montanismo não pode de forma alguma ser confundido com o genuíno mover do Espírito Santo.
Menandro:
Menandro era um gnóstico da corrente caldeu-síria. Foi sucessor de Simão Mago, um personagem misterioso nos primeiros anos do cristianismo, que segundo alguns escritos, era um mago (Gnóstico) visto por muitos como o primeiro gnóstico “cristão”. Eusébio e outros autores o identificou como o personagem citado nas escrituras (Atos 8:9–24).
Menandro é citado por Eusébio em sua História Eclesiática e por Justino em sua apologia,no qual diz. “Sabemos também que um certo Menandro, também samaritano, oriundo da aldeia chamada Caparatea, depois de ser discípulo de Simão e estando também possuído por demônios, apareceu em Antioquia, e com sua arte mágica seduziu a muitos.”
Para Justino, Menandro foi um dos primeiros a fazer distinção das duas entidades divinas. O demiurgo era um deus intramundano e o Pai inefável era um outro deus acima de todos os outros.
Cerinto:
Cerinto (70-100 Dc) é um personagem com muito poucas informações sobre sua vida e obras. Tudo que podemos saber vem dos escritos dos apologistas cristãos como, Epifânio e Irineu.
O “Inimigo da Verdade”, como ficou conhecido, criou uma escola gnóstica que seguia a lei judaica desprezando todos os livros do Novo Testamento, aceitando apenas, assim como os Ebionitas o evangelho dos Hebreus.
Dizia em seus ensinos que os apóstolos haviam deixado uma tradição oculta e que havia recebido-a pela revelação de Anjos. Acreditava em um reino de Deus terreno e renovado.
Não via Jesus, como Deus, mas homem apenas, que havia recebido o espírito de “cristo” no batismo e antes da morte na cruz foi retirado. Para ele o mundo também não fora criado por Deus, mas por um deus inferior.
Segundo Irineu, Cerinto foi educado na sabedoria egípcia, e julgava receber inspiração de anjos.
Cerinto o “Inimigo da Verdade”.
Há uma tradição vinda de Policarpo, redigida por Irineu de Lion em sua obra Contra as Heresias, que contrapõe a falsa “tradição” gnóstica com a verdadeira tradição apostólica:
“Podemos ainda lembrar Policarpo, que não somente foi discípulo dos apóstolos e viveu familiarmente com muitos dos que tinham visto o Senhor, mas que, pelos próprios apóstolos, foi estabelecido bispo na Ásia, na Igreja de Esmirna. Nós o vimos na nossa infância, porque teve vida longa e era muito velho quando morreu com glorioso e esplêndido martírio. Ora, ele sempre ensinou o que tinha aprendido dos apóstolos, que também a Igreja transmite e que é a única verdade. E é disso que dão testemunho todas as Igrejas da Ásia e os que até hoje sucederam a Policarpo, que foi testemunha da verdade bem mais segura e digna de confiança que Valentim e Marcião e os outros perversos doutores.”
“É ele que no pontificado de Aniceto, quando esteve em Roma, conseguiu reconduzir muitos destes hereges, de que falamos, ao seio da Igreja de Deus, proclamando que não tinha recebido dos apóstolos senão uma só e única verdade, aquela mesma que era transmitida pela Igreja. E há os que ouviram dele que João, o discípulo do Senhor, tendo ido, um dia, às termas de Éfeso e tendo notado Cerinto lá dentro, precipitou-se para a saída, sem tomar banho, dizendo ter pavor que as termas desmoronassem, porque no interior se encontrava Cerinto, o inimigo da verdade.”
Seitas Ofitas:
As Seitas Ofitas (100 Dc) Cainitas, Naasenos, Setitas, são relacionadas ao culto da serpente. Segundo os apologistas cristãos, veneravam a serpente do Éden, como a verdadeira libertadora do homem, pois, teria dado ao homem a verdadeira gnose (conhecimento) do bem e do mal.
Orígenes e Irineu de Lion, afirmam que a essência da doutrina Ofita era a crença que o Deus do Antigo Testamento era uma divindade misantrópica, que havia escravizado os homens.
O Antigo Testamento era interpretado em oposição dialética, assim, todos os inimigos de Deus, ou os que a bíblia condenava, como o Diabo, Caim e outros eram vistos como heróis.
A divindade suprema, denominada Anthropos era um ser andrógino, união arquetípica de Adão e Eva. Neste sistema a divindade e o homem se relacionam como tendo uma mesma natureza e a “queda” é vista como, divina, universal e humana.
Valentim, os Ofitas e Filon, apresentam em seus sistemas o Homem primordial em associação ao divino e os cosmos. O Micro e o Macro são vistos como paralelos, sendo os três tendo uma relação íntima. Contudo, enxergam o homem em relação ao universo.
Basílides:
Basílides (90-138 Dc) foi discípulo de Menandro, atuou em Alexandria em seu tempo de vida e influenciou diversos pensadores ao longo dos tempos.
Escritor prolifero, publicou diversas obras com comentários bíblicos, todas perdidas até hoje, mantida em pequenas citações por parte de apologistas contrários, como: Clemente de Alexandria, Eusébio de Cesareia, Hipólito de Roma e outros.
Segundo Irineu e Hipólito de Roma, Basílides ensinava que 365 céus emergiram do Deus supremo e o nosso mundo de um demiurgo subalterno.
Para Basílides, no início nada existia, a origem suprema, não tem nome e nem pode receber predicados, está além da matéria e da existência e não existência e somente pode ser mencionada na negação dos opostos. Após uma lista de negações, o identificou como o “Não-Ser”.
Assim como a maioria dos sistemas gnósticos, aceitava a doutrina pitagórica da transmigração das almas (Metempsicose) e ensinava que Jesus não havia morrido na cruz, mas foi substituído por Simão de Cirene.
”A angústia e a miséria, nos diz Basílides, vem junto à existência como a ferrugem cobre o ferro.” O mal é o próprio fato de existir no mundo sensível. O universo inteiro é mau.
HUTIN, Serge. Les Gnostiques, p. 21.
Nicolaítas:
O Nicolaísmo é uma heresia do fim do primeiro século, associada a um ex diácono chamado Nicolau.
Não existem muitas informações sobre esta heresia no primeiro século, mas o que se pode apurar através de Irineu, Hipólito, Teodoreto e Eusébio – todos autores posteriores, é que a heresia é associada a libertinagem e apesar de controvérsias, alguns acreditam que é a mesma citada no Apocalipse de João.
“ Tens, porém, isto: que odeias as obras dos nicolaítas, as quais eu também odeio.” (Apocalipse 2:6)
Os Nicolaítas, viviam, segundo alguns autores, no desprezo total à santidade, para estes grupos a ascese espiritual era alcançada através do desprezo do corpo, no sentido de “abusar” da carne, com libertinagem e uma vida dissoluta.
*O Nicolaísmo é muito parecido com outros sistemas gnósticos da idade média e de um famoso místico gnóstico do Século XIX, Grigori Rasputin.
Valentim:
Valentim ou Valentiano (100 – 160 Dc) nasceu em Frebonis, no delta do Nilo e foi educado em Alexandria. Foi um homem de grande influência em seu tempo, com milhares de seguidores.
Segundo Tertuliano, se candidatou a Bispo, e ao ser rejeitado, passou a ensinar suas heresias.
“Valentim esperava se tornar Bispo, pois ele era um homem habilidoso, tanto no intelecto quanto na eloquência. Indignado, porém, que um outro obteve a honra por causa de uma reivindicação que um confessor havia lhe feito, ele deixou a igreja da fé verdadeira. Assim como outros espíritos (incansáveis) que, quando atribulados pela ambição, são finalmente inflamados pelo desejo de vingança, ele se aplicou com todas as suas forças em exterminar a verdade; e encontrando a pista de uma certa opinião antiga, ele trilhou um caminho para si com a sutileza de uma serpente” — Tertuliano, Contra os Valentianos
A partir da ideia da centelha divina escondida no homem, foi um dos primeiros a apresentar a humanidade, separada em três tipos de pessoas – Os espirituais, os psíquicos e os materiais.
O Sistema de Valentim
O Sistema da emanação divina de Valentim é o mais complexo de todos os outros sistemas gnósticos de seu tempo. Irineu de Lion em sua obra, Contra as heresias nos conta um pouco melhor sobre o sistema Valentiniano.
“Eles dizem que existia, nas alturas, invisíveis e inenarráveis, um Eão perfeito, anterior a tudo, que chamam Protoprincípio, Protopai e Abismo. Incompreensível e invisível, eterno e ingênito que se manteve em profundo repouso e tranquilidade durante uma infinidade de séculos. Junto a ele estava Enóia, que chamam também Graça e Silêncio. Ora, um dia, este Abismo teve o pensamento de emitir, dele mesmo, um Princípio de todas as coisas; essa emissão, de que teve o pensamento, depositou-a como semente no seio de sua companheira, o Silêncio.”
“Ao receber esta semente, ela engravidou e gerou o Nous, semelhante e igual ao que o tinha emitido e é o único capaz de entender a grandeza do Pai. Este Nous é também chamado Unigênito, Pai e Princípio de todas as coisas. Juntamente com ele foi gerada a Verdade e esta seria a primitiva e fundamental Tétrada pitagórica que chamam também Raiz de todas as coisas. Ela seria composta pelo Abismo e o Silêncio, o Nous e a Verdade” — Irineu de Lion, Contra as Heresias
Valentim, ainda é o gnóstico mais influente nos movimentos gnósticos da atualidade.
Gnosticismo na Igreja Primitiva
O Gnosticismo como vimos anteriormente é variado e dialético, não existindo em uma, mas em várias gnoses. Contudo, a gnosis difundida na igreja primitiva, era de cunho espiritualista e tinha por característica o desprezo do mundo e do Deus do Antigo Testamento. Seu objetivo central, era a tranformação da fé em outro “cristianismo” independente do cristianismo bíblico e da tradição dos Apóstolos.
Enquanto o cristianismo real via nas escrituras, uma progressão ou revelação progressiva, na qual se revelava o DEUS VERDADEIRO, tendo sua expressão máxima na pessoa do SENHOR JESUS CRISTO – o VERBO ENCARNADO. Os gnósticos, por outro lado, desprezavam os escritos antigos, e em uma ação de revolta, acreditavam ser promotores de uma verdade “nova”.
Seu deus não era cognoscível, não podia se revelar, mas estava escondido, podendo apenas ser vislumbrado por uma “intuição” ou gnose, encontrada no autoconhecimento do espírito humano aprisionado pela matéria.
Seus líderes se desenvolveram em um ambiente onde a magia e o ocultismo tentavam ocultar à luz do evangelho.
“Alguns, ao rejeitar a verdade, apresentam discursos mentirosos e genealogias sem fim, as quais favorecem mais as discussões do que a construção do edifício de Deus que se realiza na fé ” – (Irineu de Lyon)
A Vitória Cristã temporária sobre a gnose de seu tempo
Se o gnosticismo nos primeiros séculos, houvesse triunfado em seus ardilosos desejos, o cristianismo haveria simplesmente entrado em um círculo de Ouroboros. A Serpente que engole seu próprio rabo, é um símbolo esotérico dos grupos gnósticos de grande estima. O cristianismo talvez nunca mais se recuperaria de novo.
O trabalho dos apologetas e pais cristãos, foram de grande valia para preservar a verdade revelada e consequentemente estabelecer as doutrinas fundamentais da nossa fé, longe das agarras da serpente enganosa. Ainda assim, o espírito destruidor de revolta contra Deus, o ser e os homens, persiste em tentar destruir a verdade única do Único Deus Verdadeiro. Estejamos atentos!
Irineu de Lion: “Portanto, que ninguém pense que existe outro Deus Pai distinto de nosso Criador, como imaginam os hereges, que depreciam o Deus verdadeiro e fazem de Deus um ídolo, criando um pai acima de nosso Criador e o têm para si. Na verdade, todos esses são ímpios e blasfemam contra o seu Criador e Pai como já demonstramos na Exposição e Refutação da falsa gnose.”
Resposta dos teólogos aos Heresiarcas
“no dizer do Apóstolo — e, por astuta aparência de verdade, seduzem a mente dos inexpertos e escravizam-nos, falsificando as palavras do Senhor, tornando-se maus intérpretes do que foi corretamente expresso. Sob pretexto de gnose afastam muitos daquele que criou e pôs em ordem este universo, como se pudessem apresentar alguma coisa mais elevada e maior que o Deus que fez o céu e a terra e tudo o que eles encerram. Ardilosamente, pela arte das palavras, induzem os mais simples a pesquisas e, omitindo até as aparências da verdade, levam-nos à ruína, tornando-os ímpios e blasfemos contra o seu Criador, os que são incapazes de discernir o falso do verdadeiro.” _IRENEU DE LIÃO. Contra as Heresias. Trad. Lourenço Costa. São Paulo: Paulus, 1995.
Irineu escreveu uma apologia completa contra os gnósticos de seu tempo (Contra as Heresias).
Agostinho de Hipona: “Por isso buscava-a com segurança, certo de que não era verdadeira a doutrina que estes homens pregavam. Fugia deles com a alma, porque, quando eu indagava a origem do mal, via-os repletos de malícia que os levava a crerem antes sujeita ao mal a vossa substância do que a deles ser suscetível de o cometer.” (Confissões VII ,9).
Diversos outros cristãos e pais da igreja , lutaram ferozmente contra esta doutrina satânica e desprovida da verdade.
*Este é um texto retirado do Livro sobre Gnosticismo, lançado em 2024, que trata das origens das heresias gnósticas na igreja primitiva pelo o autor.
Bibliografia Consultada
FERREIRA, Jorge A. Gnosticismo: As Origens Gnósticas das Heresias na Igreja Primitiva.
WALKER, Williston. A História da Igreja Cristã. Primeira edição em língua portuguesa: ASTE O 1967.
CAIRNS, Earle E. O Cristianismo Através dos Séculos: Uma História da Igreja
Cristã, Segunda edição, São Paulo: Vida Nova , 1995.
HUTIN, Serge. Les gnostiques. Paris: Presses Universitaires de France, 1970.
DO RESSE, Jean. Les livres secrets des gnostiques d ‘Égypte, pp. 1 1 5- 1 16.
JONAS, H. 1996 Mortality and Morality- a Search for the Good after Auschwitz, Evanston, Illinois Northwestern University Press.
JONAS, Hans. La Religion Gnostique.
IRENEU DE LIÃO. Contra as Heresias. Trad. Lourenço Costa. São Paulo: Paulus, 1995.
EUSÉBIO DE CESARÉIA. História Eclesiástica. São Paulo: Paulus, 2000.
LEISEGANG, Hans – La Gnose, Payot, Paris, 1951.
GRANT, Robert M. La Gnose et les origines chrétiennes. Paris: Seuil, 1964.
Jorge A. Ferreira
Cristão Protestante, Casado , pai de quatro filhos, Bacharel em Teologia, Licenciando em Filosofia pela Universidade Paulista (UNIP) e Diretor e Palestrante do Seminário À Luz da Bíblia.