O Que é o Gnosticismo?
Está se tornando comum ultimamente, o termo gnosticismo, principalmente no mundo da internet, graças as recentes descobertas de manuscritos da biblioteca Nag Hammadi e de publicações no ramo da filosofia política e filosofia da religão de autores como: Eric Voegelin e Hans Jonas.
Neste post, tentaremos entender o que é o gnosticismo, suas inspirações seu sistema e sua tentativa de penetração no cristianismo primitivo nos primeiros três séculos.
Veja também: Gnosticismo: Heresia Cristã?
O Que é este tal de Gnosticismo?
Os trabalhos recentes na área, associam de forma ao meu ver (bem acertadas) , o gnosticismo, um tipo de “religião subterrânea”, com os movimentos de massas atuais. Para Hans Jonas e outros, os movimentos sociais atuais são reflexos do “espírito do fim da idade média”, que na busca por uma ascese espiritual e ânsea pelo cumprimento escatológico se lançaram em busca de uma nova espiritualidade, desembocando em uma imanentização do “Eschaton” – Utopias de “um mundo melhor”, e o materialismo “fé metastática”.
Para Voegelin, por exemplo os movimentos atuais são a degeneração deste “espírito” e dos símbolos que norteavam as sociedades, que agora desnorteados e “livres” produzem cada vez mais confusão e desordem.
Há também, diversos trabalhos publicados dentro do espectro cristão sobre o assunto, já que o tema evoca um problema à muitos enfrentado pela Igreja Cristã.
O Gnosticismo é um movimento associado ao ínicio do Cristianismo, uma vez que foi combatido desde os primórdios da fé através de alguns apóstolos e pais da igreja primitiva, que enfrentaram teológica e filosoficamente através de suas apologias.
Entre os maiores combatentes desta Heresia, encontram-se: Irineu de Lion, Agostinho de Hipona (Maniqueus), Justino Mártir e outros.
Definição de Gnosticismo:
O gnosticismo (do grego Γνωστικισμóς; romaniz.: gnostikismós; de Γνωσις, gnosis: ‘gnose’, e gnostikos: ‘conhecedor, sábio’). A Palavra “Gnose” significa conhecimento. Gnosticismo é o movimento ou grupos de pessoas que praticam, creem ou aceitam a gnose.
É importante que fique claro, que a “Gnose” (Conhecimento) dos grupos gnósticos, não podem de forma alguma ser associada com a palavra “conhecimento” que a cultura ocidental adotou para explicar o – Ato ou efeito de conhecer.
Conhecimento como ato de apreender ou conhecer é “scientia” do Latim, é o conhecimento como captável e verdadeiro. Já a “Gnose” (Conhecimento) dos gnósticos, trata-se de “conhecimento oculto”, conhecimento não captável, intuitivo recebido por “iluminação” dado apenas à alguns iniciados nas experiências esotéricas.
Assim, a Gnose é um tipo de conhecimento (que na antiguidade) era secreto, dado pouco a pouco através de iniciações aos membros para que alcançassem o objetivo da divinização (Pleroma).
O Gnosticismo é um movimento que surge muito provavelmente, no mundo pagão, e são os promissores das religiões de mistérios difundidas na grécia, egito, persa e segundo alguns autores, penetrou desde cedo em movimentos discordantes do judaísmo e no cristianismo primitivo.
Robert M. Grant em sua obra “Gnosticismo e Cristianismo Primitivo” definiu os gnósticos da seguinte forma: “O gnóstico é um gnóstico porque ele sabe, por revelação, qual é seu ser verdadeiro. Outras religiões estão, em graus diversos, centradas na divindade: o gnóstico é centrado sobre si mesmo. ”
Em outras palavras, para o “iluminado da gnose”, a salvação está no conhecimento de que no homem há uma centelha divina, e é descobrindo-a que alcança a iluminação. A Gnose consiste em descobrir que o homem é “divino”.
Em que acreditam os gnósticos?
Este artigo não se propõe a expor toda a complexidade do gnosticismo, é apenas um resumo das práticas, espírito e de suas doutrinas. A Gnose, além de uma doutrina complexa, é acima de tudo um “espírito” ou movimento da alma humana, que desiludida com o ser tenta dar sentido à vida e o cosmos em si.
O Movimento gnóstico é mais que uma doutrina, é um sistema complexo de cunho dialético, que se apresenta em dualidades. Sendo expresso as vezes como “espiritualistas” e outras vezes como “panteístas”. É como, segundo Eusébio de Cesaréia diz: “A Língua Bífida da Serpente“, ou seja, se apresenta dialeticamente com dois discursos que aparentemente se contradizem, mas tendo no fundo a mesma essência.
As doutrinas se diversificam, dependendo de cada grupo ao longo dos séculos, mas no fim das contas elas se unificam em pontos realmente comuns. Alguns grupos expressam um tipo de ensino que difere de outros grupos, Contudo sua unidade formal pode ser percebida claramente.
A Dualidade Gnóstica:
No passado, se apresentavam através de doutrinas heterodoxas e dualistas. No cristianismo por exemplo: Por um lado viam Jesus simplesmente como Homem (não Deus), e por outro como (Éon) espírito (não humano). Assim, em suas visões sobre o Senhor Jesus, eram opostos ao cristianismo ortodoxo, aceitando apenas uma das naturezas de Cristo.
Isso se deve, por haverem grupos gnósticos, que associavam Jesus como um “ÉON DIVINO”, e se era divino, não era admitido a encarnação, pois se o mundo é mau, produto de um criador mau (Demiurgo), Jesus estava no mundo apenas com aparência de homem.
Outros, grupos criam que Jesus era humano, mas não divino, que se tornou “divino” no batismo, mas logo deixou sua “divindade” antes de ser morto. No fundo o que estava por trás era a crença, de que o mundo criado era mau, e subproduto de um deus mau, assim, tudo que há nele, ou seja toda matéria, é má e por tanto desprezível.
Marcião e sua Heresia:
Marcião, tinha em seu pensamento algo da gnose. Proclamou que o Deus do Antigo Testamento era o “deus mau” e Jesus era uma emanação do “deus escondido” que havia se revelado para levar os homens à ascese espiritual. Excluiu os livros do Antigo Testamento e aceitava somente os escritos de Paulo em seu cânon, pois acreditava ser Paulo um verdadeiro gnóstico.
O Sistema Gnóstico:
O Gnosticismo é um movimento sincrético que como um parasita, absorve e transmuta todas as religiões. Penetra e transmuta pontos similares, ou aparentemente similares, usando os símbolos da presente religião, como ponto de partida para introduzir suas “intuições” herméticas. Penetraram na cultura em vacos de poder, como após a idade média, e corrompem tudo com suas concepções.
A dialética e o mito são as ferramentas usadas, para expor a gnose. No polo do ocultar-revelando e do revelar-ocultando, se desenvolve como um “mistério oculto” que deve ser analisado com cuidado para o entendimento de seus pressupostos. O Mito gnóstico é entendido como uma “revelação” do que está em cima como o que está embaixo: o microcosmo reflete o macrocosmo.
Sendo assim, irei expor a estrutura de suas ideias de forma simplificada. O Sistema Gnóstico se manifesta da seguinte forma:
Cosmologia Gnóstica
Sobre Deus: Para os gnósticos existem somente um Deus supremo (mônada), e ele é totalmente separado da humanidade. Em um passado longínquo este deus que é ao mesmo tempo tudo e nada, se desintegrou, expandindo-se e dando origem às estrelas e o universo em um acidente, por um impulso de doar-se à infinita variedade do vir-a-ser.
Nesse “desintegrar-se” espalhou suas centelhas em todas as coisas criadas. Assim, as “centelhas divinas”, se encontram em todo universo, estando escondidas ou aprisionadas.
o deus da gnose, é um isolado em exílio, é dois princípio, o positivo e negativo.
Sobre o deus do mundo: Sofia “sabedoria” o lado feminino deste deus , teria desejado criar, e em um ato impensado cria sem a presença de seu consorte os demais seres. Dando origem a um outro ser (Ialdabaoth), do qual provêm a matéria que não passa de um ato de ignorância. Daí se origina o “demiurgo” que cria a matéria em um ato de arrogância e orgulho. Para a gnose a matéria não é criação de Deus, mas de um “deus” inferior, mal.
Este Demiugo, não é propriamente “Deus”, antes é um Arconte, chefe da ordem dos espíritos inferiores “Éons”.
Ontologia da Gnose
Sobre a Matéria: A Matéria é essencialmente má. É vista como um aborto e uma prisão na qual as almas eternas estão aprisionadas, é o próprio inferno, no sentido cristão. O anseio de todo gnóstico é se libertar dela, através do “conhecimento” e desprezo pelo bens, autoridades e o ser em si.
Assim, a vida na ascese mística perfeita pode ser alcançada de duas formas: Ou pela religiosidade rígida (Ascetica) e desprezo pelo mundo ou por uma vida de libertinagem, usando o corpo como instrumento de destruição.
Daí muitos gnósticos viverem uma vida degenerada, em orgias sexuais e rebaixamento da razão, para viverem como irracionais. Do mesmo modo, veremos aqueles mais “elevados” que desprezam as coisas materiais e anseiam a vida fora do corpo físico.
Sobre o Homem: O Homem nesta visão de mundo é uma tríade composta, um microcosmo, no qual o corpo por ser matéria é uma prisão, a alma é a enganadora, pois faz uso dos sentidos, e o espírito é o frasco que guarda a centelha divina. É no espírito que se encontra o verdadeiro “eu”, ou o divino.
O Homem “pneumático” ou gnóstico, é aquele que descobre e liberta a centelha divina e alcança assim, a “divinização”.
É preciso ficar claro que o gnóstico não crê que se torna um deus, na verdade por entender que tudo e nada é Deus, o “Deus” da gnose é mono, e suas partes estão divididas na criação. Assim sendo, o esforço gnóstico é a tentativa de libertar da matéria as centelhas divinas, para voltar ao (Mônada).
É na verdade o contrário da fé cristã, enquanto os cristãos entendem que Deus se fez carne e veio através da encarnação do Verbo aos homens, para salvá-los, o gnosticismo se constituem em o homem subir a Deus por iluminação mística.
O espírito da Gnose:
O espírito gnóstico se manifesta em revolta. A revolução é o motor que o conduz ao longo dos tempos. A negação de sua condição ontológica é a sua alma.
O Gnóstico segundo citações deles próprios, é um “incomodado” ou não feliz com sua condição humana, exatamente por – segundo eles, saberem quem são.
Por acreditarem que são partes integrantes da divindade, não se conformam em estar na condição “limitada” do ser. A “Liberdade” é o seu destino.
Todo ser humano em algum momento da vida, diante das adversidades e angústias, vivem um certo sentimento parecido. A desilusão com projetos, percas de entes queridos, doenças e diversos outras questões, entristecem e as vezes causam revolta. É natural da condição humana esses sentimentos.
Mas ao se depararem com a beleza da vida, e ao contemplarem a criação como obra do divino, entendendo que Deus está no controle de tudo, providenciando a restauração das coisas, voltam à normalidade do ser.
Os “iluminados” não creem nesta esperança, antes, estão em luta contra Deus, contra o ser e muitas vezes, em sua “religiosidade” já secularizada, contra o corpo e a alma. Haja dito atualmente os defensores do Aborto, Eutanásia e da famigerada Ideologia de Gênero.
Para muitos destes grupos, a serpente do Éden é representada como a “libertadora” do homem, e o fruto proibido como o verdadeiro conhecimento divino (Gnose). Assim, a rebelião e a revolta é a essência pura dos seguidores de seu mestre.
Gnosticismo e Igreja Primitiva
A Igreja Primitiva enfrentou desde cedo tais movimentos que tentaram corromper, adulterando assim a doutrina cristã. Nomes, como: Marcião, Montano, Simão Mago, Menandro, Basílides, Cerinto, Mani e outros, são vistos como proto ou gnósticos, que tentaram influenciar a igreja em seus primeiros anos.
Desde cedo a Igreja, teve de lidar com diversas adversidades, desde perseguições, calúnias e principalmente as heresias, que vindas do caldo cultural e “espiritual” antes da vinda do Salvador, se digladiavam para assumir a primazia nos corações dos homens.
Entre os maiores embates dos primeiros cristãos com estes grupos revolucionários, estão:
O Combate Cristão contra a Gnosis
Apóstolo Paulo: “⁸ Tende cuidado, para que ninguém vos faça presa sua, por meio de filosofias e vãs sutilezas, segundo a tradição dos homens, segundo os rudimentos do mundo, e não segundo Cristo; ⁹ Porque nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade; ¹⁰ E estais perfeitos nele, que é a cabeça de todo o principado e potestade; ” (Col 02: 08.,09.,10).
Russel Shedd, Carson e diversos outros autores, assinalam nestas passagens o combate do Apóstolo Paulo com a gnose de seu tempo.
Apóstolo João: “² Nisto conhecereis o Espírito de Deus: Todo o espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus; ” (1 João 4:2)
“⁷ Porque já muitos enganadores entraram no mundo, os quais não confessam que Jesus Cristo veio em carne. Este tal é o enganador e o anticristo. ” (2 João 1:7)
“³ E todo o espírito que não confessa que Jesus Cristo veio em carne não é de Deus; mas este é o espírito do anticristo, do qual já ouvistes que há de vir, e eis que já agora está no mundo.” (1 João 4:3)
João já em seu tempo, combate essa heresia, que por acreditarem que o mundo é mau, Jesus não poderia ter vindo “em carne”., mas era somente um ser aparente.
Apologétas contra o Gnosticismo
Irineu de Lion: “Portanto, que ninguém pense que existe outro Deus Pai distinto de nosso Criador, como imaginam os hereges, que depreciam o Deus verdadeiro e fazem de Deus um ídolo, criando um pai acima de nosso Criador e o têm para si. Na verdade, todos esses são ímpios e blasfemam contra o seu Criador e Pai como já demonstramos na Exposição e Refutação da falsa gnose.”
Irineu escreveu uma apologia completa contra os gnósticos de seu tempo (Contra as Heresias).
Agostinho de Hipona: “Por isso buscava-a com segurança, certo de que não era verdadeira a doutrina que estes homens pregavam. Fugia deles com a alma, porque, quando eu indagava a origem do mal, via-os repletos de malícia que os levava a crerem antes sujeita ao mal a vossa substância do que a deles ser suscetível de o cometer.” (Confissões VII ,9).
Agostinho de Hipona em suas confissões trata dos Maniqueus, grupo gnóstico da época no qual era seguidor antes de se converter ao cristianismo. Os Maniqueus adotavam uma dualidade no cosmos, no qual haviam duas forças no mundo de igual poder, o BEM e o Mal.
Diversos outros cristãos e pais da igreja , lutaram ferozmente contra esta doutrina satânica e desprovida da verdade.
Jorge A. Ferreira
Cristão Protestante, Casado , pai de quatro filhos, Bacharel em Teologia, Licenciando em Filosofia pela Universidade Paulista (UNIP) e Diretor e Palestrante do Seminário À Luz da Bíblia.