Gnosticismo: Heresia Cristã?
Desde cedo o gnosticismo foi associado como sendo um movimento herético de cristãos dos primeiros três séculos do cristianismo. Isso se deve, por haverem poucas informações sobre o assunto e os estudos estarem focados nos escritos dos primeiros pais da igreja que denunciaram e combateram essas ideias em seus escritos.
Autores como Dan Brown chegaram associar os primeiros gnósticos, como “verdadeiros” cristãos que foram expulsos da igreja pelos cristãos tradicionais ortodoxos. Esta aberração ganhou certa credibilidade entre alguns das classes letradas e permeou por um bom tempo o imaginário popular, principalmente pelas produções hollywoodianas “Código da Vinci e Anjos e Demônios”, baseados em seus contos.
O Gnosticismo é Cristão?
Alguns evangelhos apócrifos, datados do segundo século como: evangelho de Tomé, o Evangelho de Filipe, o Evangelho de Maria e outros, foram admitidos por muitos entusiastas como “verdadeiros evangelhos” retirados do Cânon Bíblico pela malvada igreja católica.
A Ideia sem fundamento histórico foi admitida por muitos por um bom tempo. Em outras palavras a ideia sobre o assunto era tratado pela classe falante universitária, como uma “prova” que a bíblia havia sido alterada, se não em seu conteúdo, pelo menos nas classificações dos livros na formação do Cânon. A Igreja havia retirado e perseguido, os verdadeiros cristãos no início do cristianismo corrompendo-o desde o início.
Os tais evangelhos, além de serem mais antigos que os evangelhos do Cânon, datando do segundo século, enquanto os quatro evangelhos canônicos datam do primeiro, entre os anos 40 e 67 DC, contam com um tipo de conteúdo totalmente diferente dos originais. Com ideias antagônicas ao cristianismo primitivo, apresentam em seu fundo uma certa visão de mundo pessimista, fantasiosa e extremamente esotérica.
O Resurgimento do Gnosticismo
Na idade média, quando surgiram movimentos que expressavam ideias parecidas com a dos hereges dos primeiros séculos, acreditavam-se estar presenciando uma volta repentina de heresias antes combatidas.
No mundo cristão, onde o ocidente já era cristianizado, era normal se pensar que heresias, como o catarismo, fossem um despertar de ideias do próprio cristianismo – Um tipo de “novas interpretações”. Contudo, após os primeiros contatos e embates com os tais movimentos, pode-se perceber que haviam discrepâncias sérias com a verdade do evangelho, além é claro, de um espírito alheio e radicalmente divorciado da fé cristã.
Gnose nos Séculos Posteriores
Teólogos como, Adolf von Harnack ainda no século XIX acreditavam que o gnosticismo era um movimento cristão originado dentro do cristianismo, por influência grega. No entanto, já no século XX, começam a surgir estudos que nos ajudariam à entender certos rumos tomados pelo ocidente, e principalmente o clima apocalíptico de movimentos revolucionários que estavam surgindo.
Com as descobertas em Nag Hammadi em 1945 os estudos sobre o assunto, após um tempo para traduções e análises, nos revelam algo totalmente diferente.
Na verdade a “gnose” não surge do seio cristão. Antes é possível, se saber com certa cautela que o sistema gnóstico, já se apresenta muito antes, de tempos em tempos e se é possível crer que trata-se de um sistema apto para penetrar em novas religiões e até mesmo, como nos casos posteriores, ser inspiração para outras.
Manuscrito de Nag Hammadi
Em 1966, em Messina, Itália, foi realizada uma conferência sobre o sistema da gnosis.
“No documento final de Messina a proposta foi “pela aplicação simultânea dos métodos históricos e tipológica” para designar “um determinado grupo de sistemas do segundo século depois de Cristo” como “gnosticismo”, e use “gnosis” para definir uma concepção de conhecimento que transcende os tempos, que foi descrito como “o conhecimento dos mistérios divinos para uma elite.“
Jean Doresse um dos maiores estudiosos sobre o tema atualmente em sua obra “secrets des gnostiques d ‘Égypte” nos informa a posição sobre o tema:
“considerando que mitos cuja estrutura é autenticamente gnóstica também se desenvolveram no judaísmo ou no Islã, supuseram que essas doutrinas diversas tiveram por fonte um mesmo fundo de mitos e de imagens remontando a alguma fonte comum anterior ao início de nossa era; essa fonte, elas a buscaram no Egito, na Babilônia e no Irã, às vezes, até mesmo na Índia.”
Serge Hutin autor sobre esoterismo e ocultismo francês, diz:
“Se o gnosticismo fosse apenas uma série de aberrações doutrinárias próprias a certos cristãos hereges dos três primeiros séculos, seu interesse seria puramente arqueológico; mas ele é bem mais que isso: a atitude gnóstica renasce espontaneamente, sem haver transmissão direta; este tipo especial de religiosidade apresenta chocantes afinidades com certas aspirações “modernas”. O “gnosticismo” dos heresiólogos constitui o exemplo característico de uma ideologia religiosa que tem a incessante tendência de ressurgir na Europa e no mundo mediterrâneo, durante as grandes épocas de crise social e política.“
HUTIN, Sergc. Les Gnostiques, p. 8.
O Gnosticismo não é uma “nova forma” de Cristianismo
As ideias gnósticas que se apresentaram no segundo século, com uma roupagem cristã, nada mais eram que ecos de ideias semelhantes dos antigos impérios cosmológicos, como do Egito, China, Persa e etc.. São provavelmente ideias provindas do “subterrâneo” do paganismo – um tipo de religião esotérica oriunda de mitos antigos.
De posse destas informações e outras no qual trataremos neste livro, podemos concluir:
A Gnose como um espírito é mais antiga que o cristianismo, é um tipo de “ideologia” no sentido de visão de mundo. Assim sendo, não é admissível chamá-la de “cristianismo primitivo” como alguns ainda fazem atualmente.
As evidências apontam para um tipo de ideologia religiosa, que vivia no subterrâneo das religiões dominantes antes da vinda do Salvador, que buscou se mesclar com elas ao longo dos tempos corrompendo-as.
Afirmar que o gnosticismo, foi combatido no início da igreja cristã, simplesmente por contrariar as doutrinas dos pais da igreja. Fazendo parecer que foi simplesmente uma disputa de “doutrinas” entre irmãos, é totalmente falso. A Gnose é mais que simples doutrinas, é antes, um espírito antagônico ao cristianismo que aliás veio de fora dele.
O Cristianismo é Deus Conosco
Nenhum movimento ou religião propriamente dito, teem seu início em doutrinas. Antes suas inspirações são intuições, experiências ou movimentos da alma diante do desconhecido do cosmos ou de perturbações relativas à existência e os problemas do mal na contingência.
O Cristianismo por exemplo, não se origina em doutrinas, elas são um desenvolvimento a posteriori, úteis, necessárias e importantes para manterem as verdades reveladas à aqueles que já não viveram o fato. Assim, o cristianismo se origina do cumprimento das profecias, que não são doutrinas, mas pré revelações que apontam para uma revelação maior, a saber o fato real da vinda do Salvador dos homens.
A Fé cristã não se apoia em intuições, mas em fatos na ordem do real.
Os primeiros cristãos se apoiaram neste fato real, que se manifesta nas boas novas (evangelho) e na Revelação no qual está incluído a ENCARNAÇÃO DO VERBO.
A Gnose se apoia em intuições de supostos “sábios” e “magos iluminados” que ao longo do tempo veem tentando alcançar o divino, com um tipo de esforço irracional. Assim, suas inspirações deram origem a doutrinas ocultas “secretas” que somente puderam ser transmitidas a uns poucos instruídos, que ao absorverem esotericamente os conceitos e seu espírito, a usam para corromper tudo que existe.
Entenda melhor: O Que é o Gnosticismo?
Jorge A. Ferreira
Cristão Protestante, Casado , pai de quatro filhos, Bacharel em Teologia, Licenciando em Filosofia pela Universidade Paulista (UNIP) e Diretor e Palestrante do Seminário À Luz da Bíblia.